dezembro 11, 2004

The Lurker e a punição por bom desempenho (ou essa nem Kolberg entende)

E eis que aquele-que-não-deve-ser-nomeado convoca-me ao seu castelo. Nunca, em momento algum, qualquer chamado desta ordem rendeu alguma coisa que eu quisesse ouvir, fosse positiva ou pelo menos agradável. Esta visita não foi diferente.

Em pouco menos de cinco minutos fui informado que dois dos projetos sob minha condução deveriam ser passados a terceiros. O motivo? Mistério - não foi dito e eu não perguntei. Ninguém sabe, talvez nem ele. Estranhamente, em um caso específico, este "terceiro" não foi indicado ainda, deixando a condução do projeto parcialmente acéfala e totalmente sem músculo. Resultado: uma diretoria aparvalhada, sem compreender porque a organização retira da execução a única pessoa que estava tocando a atividade em nível local, ou seja, que comparecia regularmente e discutia os produtos necessários e previstos nos acordos. E isso a menos de uma semana da vinda de um consultor estrangeiro que eu convidei porque trabalhamos juntos - e agora não se sabe como fazer para contornar o nó. Ou os nós.

O exótico desta coisa é que eu não recebo por produtividade. Se controlo seis, quatro ou dois projetos meu salário fica do mesmo tamanho. E minha mbição nunca foi perpetuar-me na "organização dele" - pelo contrário, fui com o que chamo de "prazo de validade", ou seja, com data planejada para ir embora. Então, no fim das contas, o rito de degradação termina muito mais como um prêmio do que qualquer outra coisa, não é? Mais ou menos. Afinal, em um dos casos passei dezoito meses negociando com o pessoal do ministério, para ver agora uma pessoa que não conhece (e também não fazia tanta questão de conhecer) o processo, receber a incumbência. É contrangedor (para esta pessoa) como ela mesmo confessou-me: não teve qualquer intenção de "passar-me a perna". E o novo cooredenador sentiu-se de maneira muito semelhante, como ele mesmo também me disse. Bolas. Ficamos todos com cara de bobos uns para os outros e a ausência de coerência nem é nossa...

Como tudo, sempre existe um lado positivo: as manifestações de apreço choveram e os protestos também. Conquanto isso pouco importe a Voldemort, perdido em seu castelo de cartas marcadas, faz diferença para mim: é bom me saber competente e querido aos olhos dos outros. E Voldemort que pense o que quiser.

Assim, em homenagem à miopia galopante e a mais uma demonstração de que quem mexe com altos valores da humanidade não é capaz de praticá-los com os que estão perto, a WKTL Radio apresenta:

Under Pressure
Queen e David Bowie
Hot Space (1982)

Pressure pushing down on me
Pressing down on you no man ask for
Under pressure - that burns a building down
Splits a family in two
Puts people on streets

It's the terror of knowing
What this world is about
Watching some good friends
Screaming let me out
Pray tomorrow - gets me higher
Pressure on people - people on streets

It's the terror of knowing
What this world is about
Watching some good friends
Screaming let me out
Pray tomorrow - gets me higher
Pressure on people - people on streets

Turned away from it all like a blind man
Sat on a fence but it don't work
Keep coming up with love but it's so slashedand torn
Why - why - why
Love

Insanity laughs under pressure we'recracking
Can't we give ourselves one more chance
Why can't we give love that one more chance
Why can't we give love

Cause love's such an old fashioned word
and love dares you to care for
The people on the edge of the night
And love dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure
Pressure

The Lurker Says: Satisfaction lies in the effort, not the attainment. Full effort is full victory.
(Mahatma Gandhi)

novembro 23, 2004

The Lurker a conta gotas (ou de grão em grão o galinho enche o saco)

Faz tempo que existem posts que eu quero escrever. Algumas coisas que talvez sejam interessantes. Ou não. Então, vamos a três casos mais recentes...

1 - The Prince and the Beggar

Então, no lançamento daquele livro, entre intelectuais de algibeira, militantes wanabe do movimento estudantil e ministros de Estado com uma visão (?) particular do mundo e de sua pasta, foi o rapper quem arrancou aplausos da platéia. Discutia-se o papel da juventude, suas características, necessidades e o que o poder público deveria ou poderia fazer para contribuir na evolução dos jovens. Naturalmente, tudo tão carregado de pompa e circunstância quanto desprovido de conteúdo, dado que a "juventude" certamente se encontrava sub-representada no evento. A velha guarda política, boquirrota e prolixa, se apresentou em peso. A nova guarda política, sectária e vacilante, também se fez presente.

Disse, então, o rapper:

- Quem é o criminoso? O rapaz educado e branco, que pode inclusive ter estudado no-exterior, que entra no morro em sua Pajero para comprar droga ou o menino negro, analfabeto, que a vende? O menino não tem outra opção e pode não saber as consequências do que faz. Já o rapaz sabe muito bem o que está fazendo... Entretanto, se a polícia prender os dois, o primeiro será levado a um "centro de recuperação", sairá de lá em pouco tempo e continuará sua vida. O menino será atirado na cadeia, onde aprenderá mais sobre o crime. Se vocês me perguntassem, quem deveria ir para a prisão seria o primeiro.

Foi aplaudido.

Estranhamento ele era o único que vive a realidade de que se falava - tanto que criou uma associação para reunir as favelas do Rio. Provavelmente era o único que tinha algo interessante a dizer. Curiosamente era o único negro na mesa de "autoridades". E o único a quem foi lembrado o tempo de sua fala e a quem foi avisado de que seu tempo se esgotara. Típico...


2 - No good deed goes unpunished.

Em Porto Alegre, ao final da apresentação do relatório semestral, o grupo de Coordenadores havia preparado uma apresentação de um destes consultores doubles de animadores. Um lair ribeiro dos pampas ou algo assim. A idéia (dele) era passar alguns conceitos organizacionais, motivacionais e de vida, através de atividades espirituosas ou reflexivas. Profundo como um pires.

Em uma de suas falas, disse o consultor:

- Sabem qual o profissional que precisa ter mais fé?
- O padre? disse eu.
- Sim, mas não só ele. O profissional que precisa de mais fé é o trapezista.

Silêncio da audiência.

- Ele precisa se atirar, soltar o trapézio onde se encontra, e acreditar, ter fé, que uma pessoa que não está lá vai pegá-lo quando ele passar.

Comentários gerais de concordância ou divergência da audiência.

Mais algum tempo e o consultor resolve passar filmes a partir do notebook onde introduzira um CD ROM com pequenos vídeos. Feitas as conexões, somente o áudio funciona: o canhão projeta apenas uma tela preta. Chama-se a manutenção (que, como de praxe, leva uma eternidade) quando uma idéia me ocorre:

- Espere - digo, enquanto pego minha pasta e a coloco sobre a mesa.
- O que você vai fazer? pergunta o consultor.
- Providenciar a rede para o trapezista - minha resposta, enquanto tiro o meu notebook da pasta e começo a fazer a conexão com o canhão.

A audiência desaba de dar risada... (e eu que nem tinha a intenção de ser divertido...)

O "lair" fica muito feliz e prossegue sua atividade. Entretanto, nosso tempo era escasso, pois precisávamos pegar o avião de volta - tendo ele concluido ou não a sua fala. Dissemos que era possível ficar por mais meia hora, no máximo, pois perderíamos o vôo. O consultor, contudo, fazia pedidos que não podia deixar de atender sem ser indelicado e "esticava" com um "só mais este" e "este é o último" sem que nunca, realmente o fosse. Resultado: saímos com tanta pressa que deixei no auditório o livro autografado que ganhei de presente do diretor que nos convidara. Até agora, não recebi de volta. Mas isto é uma outra história.

3 - Cada um com a sua cruz: há vários modelos à escolha, de chumbo a isopor.

Pois não é que aceitaram o paper que mandei? Ora se não. E eu que botava tanta fé nisso quanto em que a monarquia viesse a ser restabelecida no último plebiscito (não obstante meu voto)... O caso é que no dia 07 de janeiro estarei na Pensilvânia apresentando os estudos preliminares de minha tese de doutorado, junto ao pessoal da ASSA/ITFA (Allied Social Sciences Association/International Trade and Finance Association).

O vôo é a coisa mais doida da paróquia, com troca de aeronaves e stops em vários aeroportos. E isso num período em que os vôos nos EUA são absolutamente caóticos - é o final dos season holidays. Enfim, vão ser dez dias de viagem, uma certa apreensão e meia volta ao mundo. Pelo menos deve render uma tonelada de frequent flyer miles... ou não. Não percam os próximos e emocionantes capítulos... :-)

The Lurker Says: Success is relative. It is what we can make of the mess we have made of things. (T.S. Eliot)



outubro 22, 2004

The Lurker e a incoerência (ou mais uma vitória... de Pirro)

Tirem os Romanos da sala...

O rei de Epiro, chamado Pirro, no ano de 281 a.C. lançou-se em uma campanha arriscada - subjugar a terrível Roma. Assim como Alexandre conquistara a Pérsia, "o perigo do Oriente", pretendia repetir o êxito do macedônio, atravessando o Adriático (então chamado Mar Jônico) à frente de uma formidável força de vinte e cinco mil homens e três mil cavalarianos. Com efeito, o monarca derrotou as forças romanas na batalha de Heracléia sofrendo, contudo, pesadas baixas. Cumprimentado pela vitória por seus oficiais, respondeu: "Mais uma vitória como essa e estarei arruinado".

Pirro sabia das coisas... Na segunda-feira que se aproxima, coeteris paribus, verei coroados meus esforços de dezoito meses, buscando o estabelecimento de uma cooperação inédita para a organização. O intento, que sobreviveu a dois coordenadores de pesquisa, dois secretários nacionais e um chefe de gabinete meio estranho, finalmente terá êxito. Sei, contudo, que minha dedicação não será premiada. E sei, de antemão, que a vitória se tornará tormento (somente espero que não para mim). Então fica combinado assim: você ganha mas não leva. Agente não diz nada e você finge que está tudo bem.

Dadas as atuais contingências, como diria a Amália, é hora de apertar o botão vermelho e tocar um @#&*-§£. A bem da verdade, o que eu gostaria agora é de poder dizer "thanks, but no thanks" no momento em que dissessem "Agora, vai lá e executa". Mas creio que não me será dada esta oportunidade. E, francamente, procurando bem lá no fundo, não posso deixar de observar o lado cômico da ignorância - e ser, talvez, maior do que isso. Então...

Num patrocínio da visão tremendamente "umbigocêntrica" do mundo que assola certas cabeças coroadas, como nem um Narciso poderia conceber, e que contribui tão somente para que a vontade de mandar tudo plantar batatas se agigante, a WKTL Radio apresenta...

Walk On
All That You Can Leave Behind
U2

And if the darkness is to keep us apart
And if the daylight feels like it's a long way off
And if your glass heart should crack
Before the second you turn back
Oh no, be strong

Walk on
Walk on
What you got, they can't steal it
No they can't even feel it
Walk on
Walk on
Stay safe tonight

You're packing a suitcase for a place
None of us has been
A place that has to be believed
To be seen
You could have flown away
A singing bird
In an open cage
Who will only fly
Only fly for freedom

Walk on
Walk on
What you got
You can't deny it
Can't sell it or buy it
Walk on
Walk on
You stay safe tonight

And I know it aches
How your heart it breaks
You can only take so much

Walk on
Walk on

Home
Hard to know what it is
If you never had one
Home
I can't say where it is
But I know I'm going
Home
That's where the heart is

And I know it aches
And your heart it breaks
You can only take so much
Walk on
Leave it behind
You've got to leave it behind

All that you fashion
All that you make
All that you build
All that you break
All that you measure
All that you feel
All this you can leave behind
All that you reason
All that you care

It's only time
And I'll never fill up all my mind(???)

All that you sense
All that you scheme
All you dress up
And all that you see
All you create
All that you wreck
All that you hate

The Lurker says: os Romanos já podem voltar para a sala.

outubro 07, 2004

The Lurker e a despedida (ou o sofrimento é de quem fica)

Mergulho desde os sete anos de idade - culpa do Jacques Cousteau e seu "mundo submarino". Mergulho aparelhado (aquele com cilindro e bolinhas, inventado pelo próprio Cousteau) desde os 17. O mar sempre foi meu amigo, amizade recheada de respeito e uma paixão estranha para um sujeito que nasceu numa cidade a mais de 1.300 metros de altura e mais de mil quilômetros do oceano. Esta paixão me levou a pelo menos quatro cursos, realizados por várias certificadoras, desde o tempo em que isso não era tão "obrigatório". Sempre achei que o credenciamento e a carteira eram somente o início da coisa e que importava muito mais a qualidade do mergulho do que a estampa no plástico.

Nestes mais de vinte anos jamais encontrei alguém que me inspirasse tanta confiança como o Cristiano. Definitivamente o melhor instrutor que já vi, pelo prazer evidente em ensinar as artes do mergulho, teóricas e práticas. Possuidor de uma didática um tanto, digamos, pouco ortodoxa, mas "de resultados". As informações sempre corretas e na medida para a audiência. O mergulho é para jovens e velhos, como ele disse certa vez, citando o orgulho de ter instruído um casal de seus 70 e alguns anos que ficaram extasiados com a descoberta do fundo do mar. Com sua filosofia particular, de respeito, paciência e disciplina, o Cris formou diversas gerações de mergulhadores, técnicos e recreativos, fanáticos pelo mergulho, pela biologia, pela vida e por segurança. As operações embarcadas que acompanhei foram sempre muito bem conduzidas, tranqüilas, muito divertidas e bem orientadas.

Quem viu o Cristiano instruir um mergulho tem dificuldade em entender a notícia que recebi ontem (e a maneira como foi dada não ajudou em nada). É surreal, inacreditável mesmo, saber que um mergulhador com sua técnica, experiência de mais de 1.500 mergulhos, que realizou atividades a grandes profundidades, de risco, sofre um acidente em apnéia, com uma coluna d´água menor que 5 metros e no Lago Paranoá. Não. Não aceito. Um profissonal desses não se vai assim. É um desperdício, uma estupidez. Chega a ser injusto para uma carreira inspiradora como a sua. Inconformados os que ficam. Inconformada a comunidade.

Foi-se o instrutor correto, a pessoa que se indica no piscar de um olho, o companheiro de confiança para dentro d´água e o amigo para a terra firme. Fica ainda a frustração de não ter seguido a formação com ele, escondida sob a velha "falta de tempo". Estranhamente, esta continuação era um dos pensamentos recorrentes que me assaltavam ultimamente.

Você se foi, Zé. E a gente adorava você. Vamos sentir muito a sua falta e o próximo mergulho não vai ser a mesma coisa. O mar vai, certamente, perceber a sua ausência. Quando estiver com ele, vamos trocar histórias suas. Ele me contará as de baixo e eu as de cima d´água. Vá com Deus, meu amigo. Quem sempre foi um espírito livre, há de continuar a sê-lo aonde for. Qualquer dia a gente se encontra e, até lá, deixe um cilindro cheio e um tag com meu nome.

The Lurker says:
Om Asatoma Sadgamaya / Tamasoma Jyoti Gamaya / Myrityoma Amritam Gamaya
Da ilusão leve-me à Verdade / Da escuridão leve-me à Luz / Da morte, leve-me à vida eterna

- Oração Universal Hindu (traduzida do sânscrito)

agosto 26, 2004

The Lurker e a indignação (ou tem dias que de noite é.... )

Einstein já dizia que apenas duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. E que não tinha muita certeza quanto ao Universo. Concordo quanto à segunda parte da premissa: a de que a estupidez não tem fim. Hoje tive (mais) uma prova disso, travestida de ignorância, arrogância, prepotência e indiferença. E isto vindo de quem você esperaria que estivesse dois palmos abaixo de Mahatma Gandhi, considerando-se os objetivos a que a organização que comanda se propõe.

E assim, em nome da idiotice abissal que se demonstra como sobrenadante de tempos em tempos, oriunda de onde se esperaria muito mais; e ainda de uma pessoa que cobra postura diferente de quem está em baixo daquela que está disposto a oferecer, a WKTL Radio apresenta a música tema do dia.

PERFEIÇÃO
Legião Urbana
Legião Urbana

Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar o nosso governo
E nosso estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Erros titânicos
Percepções erradas
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
E os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
E o voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
Todos os impostos, queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo e nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia e toda a afetação
Todo o roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional

(A lágrima é verdadeira)

Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isso
Com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
JÁ aqui também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou essa canção

Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão

Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

The Lurker Says: "The tragedy of life is what dies inside a man while he lives."
Albert Einstein

agosto 24, 2004

The Lurker e a Lutécia ou
(Aos vivos devemos respeito, aos mortos apenas a verdade - Voltaire).

Os amantes da cidade luz tem um motivo de alegria, hoje e amanhã, quando se comemora o 60º aniversário da libertação de Paris.

Em 18 de agosto de 1944 a resistência, dominada pelo partido comunista, clama pela insurreição geral. Após uma semana de combates, com 1750 mortos, o General Diétrich von Choltitz se rende, ignorando telegrama do Fhürer para que "não permitisse que a cidade fosse tomada pelo inimigo" deixando tão somente "um campo em ruínas". A ordem nunca foi dada, não obstante as pontes e diversos edifícios terem sido minados pelas tropas alemãs. Como se vê, a cidade é capaz de vencer até mesmo os nazistas pelo seu simples existir.

Contrariamente ao que gostam de vituperar os americanos quando querem insultar os franceses, não foram eles, mas sim os espanhóis os primeiros na capital francesa, vencendo as barricadas alemães e chagando à prefeitura (Hôtel de Ville) na noite do dia 24. Esta chegada possui grande simbolismo pois resgata a honra do exército francês e dos heróis da França livre, pois a 2ª Divisão Blindada é comandada pelo General Leclerc.

Sessenta anos depois foi decerrada uma placa comemorativa, alusiva a data, pelo prefeito da cidade Bertrand Delanoë, em presença de oficiais espanhóis. Diz a placa : "Aux républicains espagnols, composante principale de la colonne Dronne." A homenagem, instalada no boulevard Henri-IV, gera uma certa contradição por si só. Explica-se : Henrique IV de Bourbon cunhou no ano de 1593, em Lisieux, a frase "Paris vale bem uma missa" (Paris vaut bien une messe). Conquanto tenha razão o monarca, sua motivação talvez não fosse das mais legítimas. Devota a interesses políticos, deixava claros seus motivos para converter-se do protestantismo ao catolicismo - a coroa, não o povo.

Grande parte dos heróis deste episódio dormem esquecidos nas areias do tempo, em especial os civis e partisans que fustigaram os contingentes alemães dentro da cidade, realizando barricadas até tomar conhecimento da retomada da cidade. Sobre isto, vale conhecer o sítio elaborado pela Mairie de Paris, que apresenta diversas fotos históricas da ocasião.

A libertação de Paris é uma história paradoxal, pois é produto de uma conjunção de desejos muito diferentes. Enquanto os comunistas lutavam por uma insurreição e os chefes da Resistência estavam divididos demais para se unirem sob o fogo, é de Gaulle que colhe os louros. E é um exército que apóia uma revolta. E os Parisienses? Sabe-se demasiado pouco sobre eles mas a liberdade foi comprada, mais que nunca, ao preço do seu sangue. Ou como diria de Gaulle: "La France rentre à Paris, chez elle! Elle y rentre sanglante, mais bien résolue."

The Lurker Says : Ici, nous, vois-tu, nous on marche et nous on tue, nous on crève... (Chant des partisans - Yves Montand)

julho 14, 2004

The Lurker e a metrópole (ou pepino não é lingüiça)

Como é que ainda tem gente que mora em São Paulo? Não, sério, me explica. Sexta-feira (02) tive um destes dias de louco, saindo daqui às seis da manhã para uma reunião às 10h00. As conversas seguiram até as 14h30, quando se engoliu uma desculpa para almoço a tempo de despencar para o aeroporto para pegar uma vôo de volta às 16:30 para tocar o solo de volta às 18h00... Corre-se sem tempo de olhar para o lado naquele canto. Me diz: que cidade é aquela?

O que eu mais estranho, além do frenezi, é a receptividade. Mesmo em ambientes informais o paulistano parece que continua trabalhando. A postura é técnica a qualquer tempo, mesmo se você resolver discutir Corinthians e Palmeiras e as estatísticas, títulos e nomes se acumulam como verdades absolutas. Isso lá é jeito de se tocar a vida? E observe que a minha não é, na acepção do termo, das mais calminhas.

Lembro-me de um carnaval que passei na casa de parentes no Guarujá. Para quem conhece o baiano como modelo de povo "de praia", não podia ser choque maior. Gente que precisa dar uma relaxada aquela.

The Lurker says:
You got sirens for a welcome/ There's bloodstain for your pain
And your telephone been ringing while/You're dancing in the rain


(Duran Duran - Wild Boys)

julho 12, 2004

The Lurker e a indesejável
("o dia que tememos como o ultimo é tão somente o nascimento da eternidade" Sêneca)

Tratar a questão da morte nunca é fácil para ninguém. Mesmo em culturas onde a existência se perpetua após a travessia, os que ficam não estão, na maioria das vezes, esfuziantes com o passamento de seus entes queridos. Numa sociedade coletivista como a nossa, onde os laços familiares só se desfazem sob a terra, se tanto, os ritos de passagem são bastante particulares. Administrar isso, a partir de uma perspectiva gerencial e tentar contornar racionalmente estas contingências foi uma de minhas atividades da semana passada. Não posso dizer que me saí muito bem.

Esse tipo de notícias nunca chega de maneira suave, já notaram? Ainda mais quando quem se vai é jovem e constrói uma família. No caso específico desta vez quem se foi era mais novo que eu, e deixa a mãe, a esposa e o irmão para trás. Nestes casos em que quem se vai, vai de repente, sem sinal, sem aviso, a tragédia pessoal se avoluma exponencialmente.

Desde o sepultamento do Marcelo, a meses atrás, que esta questão me toca: o que se diz à mãe que perde um filho? Que espécie de consolo se pode oferecer? No caso do Marcelo, o funeral foi uma celebração da vida e as pessoas acorreram em momentos variados, dando diversas demonstrações de como a vida supera o destino de mais de uma forma. De como se pode aliviar aos que sofrem, conquanto o que se faça seja quase nada. A experiência de quinta-feira não foi, absolutamente, semelhante. Ou antes, semelhante a todas, mas não àquela.

É estranho, pois pela quantidade de vezes que passei por situação semelhante, entre sepultamentos próprios e de terceiros, sempre acho que a situação não pode me derrubar mais do que já o fez. Equívoco. Desta vez, tive que tentar gerenciar como agiriam mais sete pessoas envolvidas por relação afetiva e de trabalho com a família enlutada. Achei que estava preparado e que poderia focar as energias do grupo. Exemplo (que nada). Engano. O problema é que o mundo não pára. A ave que canta no cipreste incomoda. O passar do tempo (ou o seu vagar) também. O vento transtorna, sua ausência idem. E a angústia cresce, o peito aumenta mas o ar não o enche.

Em Brasília terminamos todos no mesmo lugar, pelo menos por enquanto. Se a vida nos coloca em classes, a morte nivela a todos na Capital da República. Se a democracia nos é insuficiente em vida, nos torna iguais ao seu findar. E lá, sim, vê-se a verdadeira igualdade. E o cemitério, enquanto local de contemplação, ao celebrar a morte nos dá outros sentidos à vida. Torna grandes os detalhes e pequenas as dificuldades.

Na hora de ir embora, tendo dispensado a equipe, senti vontade de visitar o Marcelo... Pensei bem...

The Show Must Go On
Queen
Freddie Mercury

Empty spaces - what are we living for?
Abandoned places - I guess we know the score..
On and on!
Does anybody know what we are looking for?

Another hero - another mindless crime.
Behind the curtain, in the pantomime.
Hold the line!
Does anybody want to take it anymore?

The show must go on!
The show must go on!
Inside my heart is breaking,
My make-up may be flaking,
But my smile, still, stays on!

Whatever happens, I'll leave it all to chance.
Another heartache - another failed romance.
On and on!
Does anybody know what we are living for?
I guess I'm learning.
I must be warmer now..
I'll soon be turning round the corner now.
Outside the dawn is breaking,
But inside in the dark I'm aching to be free!

The show must go on!
The show must go on! Yeah!
Ooh! Inside my heart is breaking!
My make-up may be flaking!
But my smile, still, stays on!
Yeah! oh oh oh

My soul is painted like the wings of butterflies,
Fairy tales of yesterday, will grow but never die,
I can fly, my friends!

The show must go on! Yeah!
The show must go on!
I'll face it with a grin!
I'm never giving in!
On with the show!

I'll top the bill!
I'll overkill!
I have to find the will to carry on!
On with the,
On with the show!

The Lurker says:

Om Asatoma Sadgamaya / Tamasoma Jyoti Gamaya / Myrityoma Amritam Gamaya
Da ilusão leve-me à Verdade / Da escuridão leve-me à Luz / Da morte, leve-me à vida eterna

- Oração Universal Hindu (traduzida do sânscrito)


maio 19, 2004

The Lurker - News at Eleven (ou e la nave va.)

Hoje pela manhã tivemos encontro com o vice-reitor para discussão da pesquisa de minha tese de doutorado. A receptividade foi muito boa e, acredito, o peixe está vendido.

Resta agora colocar a equipe de pesquisa em campo e coletar os dados da linha de base. Nada mal. Por enquanto tudo segue dentro do cronograma. Dá até para imaginar que eu posso sobreviver ao processo! Falarei mais sobre isso em breve. De qualquer forma, fiquei feliz.

Como não existe um sem dois, na hora do almoço alguma tinha que acontecer para bagunçar minha paciência. Resolvi tomar uma sopa de settas (entenda-se: sopa creme de cogumelos à moda da Galícia) no La Torreta. Na saída o manobrista me entrega o carro e eu, ajeitando para sair e ir embora...

...dou uma leve encostada no pára-choque do carro de trás...
...que perde um centímetro e meio de tinta...
...que, claro, é de uma BMW...
...cujo dono é, claro, um chato...
...o qual me sai do restaurante como se tivesse engolido o Príncipe de Gales...
...e ele acha, lógico, que tem que pintar o pára-choque inteiro...
...em Belo Horizonte, naturalmente, de onde veio o dito veículo.


Bolas.

Como fui criado um sujeito sério, passo ao indigitado o meu telefone. Veremos o que este estrupício há de querer fazer. Se o carro fosse meu, faria o que já fiz na oficina autorizada (o carro era 0 Km), quando outras pessoas me arranharam e não me puderam dispensar a mesma cortesia: um retoque e aplicação de cera. O pessoal da CCB nem cobrou para isso e não se nota.

The Lurker says: A vitória pertence ao mais persistente.
Napoleão Bonaparte (1769-1821)

maio 18, 2004

The Lurker Radio (WKLR) (ou Se governar, não beba. Se beber, não governe.)

As mais recentes patadas de nosso dublê de sindicalista federal fizeram-me lembrar de outros tempos. Época de minha vida em que o sangue fervia mais rápido e a bronca era mais séria. Pelo menos naqueles tempos eu:

a) Sabia quem era o adversário;
b) Sabia quem estava do meu lado;
c) Tinha idéia de para onde estava indo e
d) Achava que dava para chegar lá.

Nada disso é, necessariamente, realidade. Depois das últimas incursões à Esplanada dos Ministérios, outras tantas idiotices impressas que me chegam às mãos e em função da apatia geral que acomete a nação, resta-me buscar meu velho LP e tocar para vocês...

O PAÍS DO FUTURO
Camisa de Vênus
Marcelo Nova/Robério Santana

Aqui não tem problema, só se você quiser
Este é o país do futuro, tenha esperança e fé
Todo dia lhe oferecem, sempre o melhor negócio
Vão levar a sua grana, vão lhe chamar de sócio

Vai ficar tudo bem, acredite em mim, meu filho
A gente aumenta o seu salário, dispara o gatilho
Aí, pra que você não reclame, e tambem pra que não esqueça
Dispararam o tal do gatilho, em cima da sua cabeça

Nós vamos outra vez, pro fundo do buraco
Você não tem vergonha, e eu já não tenho saco
E vamos outra vez, pro fundo do buraco
Você não tem vergonha, e eu já não tenho saco

No peito um crachá, na boca um sanduiche misto
Muito pouco aqui no bolso, mas muita fé em Jesus Cristo
Quem sabe ele se zanga, desce lá do Corcovado
Passa o cajado nessa corja, Deus também fica retado

Mas enquanto ele não vem, não vou ficar parado
Segure a onda meu irmão, que eu já tô injuriado
Se você não me respeita, vou radicalizar
Meto a mão em seu focinho, eu tô cansado de apanhar

Nós vamos outra vez, pro fundo do buraco
Você não tem vergonha, e eu já não tenho saco
Estamos outra vez no fundo do buraco
Você não tem vergonha e eu já não tenho saco...

The Lurker Says: Tomara que me leiam no Planalto. Assim caçam meu visto de trabalho e me deportam para Nova Iorque...


maio 17, 2004

The Lurker Economics 101 (ou Economia para ecochatos)

A parte complexa com resolver os problemas do mundo na mesa do restaurante é que nunca se consegue prosseguir com o assunto tempo suficiente para que se chegue a uma conclusão decente. Assim, vamos ao que eu realmente estava querendo dizer.

Se desejarmos manter a estrutura de que dispomos, temos que repensar nossos padrões de consumo. Não, eu não disse que o capitalismo vai acabar. O que eu disse na ocasião é que o consumo, como conhecemos, não pode seguir o ritmo atual por mais trinta anos, por uma incapacidade de reposição de recursos naturais. Simples: o planeta não agüenta.

Então, vamos esclarecer pontualmente algumas coisas que foram discutidas:

1) O aspecto econômico-social:

Comecemos pela China, cujo processo de capitalização é, na melhor das hipóteses, juvenil, não obstante as taxas de crescimento recentes, que variam de assombrosos 9% a 6% em média, derivados fundamentalmente da força humana de baixo custo. Digo juvenil pela forma assodada como a evolução ocorre, lembrando a busca de um adolescente por um papel que possa imitar. Ocorre que, para poder manter este padrão de crescimento, já optaram pela conseqüente díade de devastação e poluição, pelo consumo de seus recursos naturais sem grandes preocupações com a capacidade de recuperação do ambiente. Prova disso é que o rio Amarelo já quase não tem vazão para o mar, dado o tipo de consumo realizado em suas margens. Estímulo das leis de mercado.

Aproximadamente duzentos milhões de chineses já atingiram um patamar de consumo semelhante ao ocidental. Resta ainda um bilhão que vivem no campo, trabalhando em situação de pouca ou nenhuma sofisticação agrícola. Seguindo a história que se conhece e imaginando um processo de mecanização, a conseqüente migração e formação de grandes centros urbanos, as próximas três décadas, de maneira similar ao observado no Brasil e, mais recentemente nos países da antiga União Soviética, verão o aumento desordenado das cidades, o aumento das desigualdades entre ricos e pobres e o aumento da demanda por energia.

Sobre este processo podem ser citadas as favelas de "reciclagem" que recebem refugo de alta tecnologia do ocidente e do Japão. São locais onde crianças auxiliam no desmonte de computadores para aproveitamento de materiais nobres, como ouro, cobre e outros componentes. O refugo, na forma de metais pesados e poluentes, são levados dos depósitos pela água da chuva aos rios e/ou infiltradas nos lençóis freáticos. As conseqüências para a saúde da população já se fazem sentir e, infelizmente, são de longa duração (sem que se considerem efeitos teratogênicos). Casos semelhantes são conhecidos em países como a Indonésia.


2) O aspecto do clima:

Em função do atual padrão de consumo, já se fazem sentir as alterações do clima. Ou todo mundo está achando normal que ciclones e tempestades tropicais tenham resolvido se atirar em cima de Santa Catarina este ano, considerando-se igualmente normal o aumento dos tornados no meio-oeste americano? Que tal, então, a pouco mais de dois meses as perdas na safra de soja no Rio Grande do Sul, derivadas da seca, enquanto no nordeste do Brasil os açudes se enchiam ao transbordo, enquanto os cearenses se afogavam? As mudanças do clima causarão instabilidades na agricultura. Para populações como a da Índia este fato pode vir a causar mortandades como já observadas na África no século passado, na Somália e Etiópia, para citar apenas dois casos.

Situações semelhantes já foram registradas por arqueólogos, os quais apontam para a destruição da malha social de civilizações inteiras como decorrência de alterações climáticas severas (e.g. os Anasasi na América do Norte). A equação é básica: no momento em que grandes contingentes de seres humanos se descobrirem sem comida, não haverá governo que consiga se manter.

3) O aspecto da comunicação:

Argumentou-se que a situação moderna é diferente daquela verificada em qualquer outro período da história da humanidade, devido à facilidade de comunicação existente hoje. Esta visão, contudo, de baseia em dois aspectos: que a informação apresentada à população é verdadeira e que a população tem a capacidade de compreender suas implicações. Recentemente, no caso da Guerra do Golfo, verificou-se o quanto a manipulação da imprensa pode levar uma população que se supõe capaz de julgamentos balizados a dar suporte a uma intervenção militar desnecessária e que atende a interesse econômicos injustificáveis.

Ainda que se pondere sobre os efeitos da democratização da informatização como um elemento que permite a um povo intervir em aspectos políticos e sociais de maneira mais rápida, como no caso do seqüestro de Gorbatchev, são poucas as pessoas que têm acesso a estes meios, quando considerados os números da população mundial. Mais ainda, devido à ignorância, nem todas as pessoas conseguem alinhar-se de maneira a dirigir seu próprio futuro e, quando tal se dá, a força pode vir a ser sua resposta. Novamente a China nos dá uma visão deste processo, quando do episódio da Praça da Paz Celestial. Muitos dos líderes estudantis da época ainda são proscritos em seu país e vivem no exílio.

Mais ainda: se as informações disseminadas pela Internet contribuem para a mobilização mundial, também é fato sabido que esta é igualmente uma fonte de informação de baixa qualidade, através de lendas urbanas, boatos e distorções da realidade. É preciso critério para saber identificar o que corresponde à realidade e o que é delírio.

Se esta situação de manipulação das diversas mídias existentes não corresponde à realidade, esclareçam-me porque os caudilhos continuam a ser apontados aos cargos eletivos, mesmo com dezenas de denúncias de comportamentos "socialmente reprováveis".

4) O aspecto da tecnologia:

Para que as novas tecnologias venham a substituir os produtos de consumo existentes, e para que tais alterações sejam incorporadas em grande escala, de maneira a mitigar (não reverter) os danos já causados ao ambiente, seria necessário grande investimento (na tecnologia propriamente dita) e tempo (para fabricação, distribuição e eventual substituição de bens que ainda se encontram em perfeitas condições de uso). Ninguém vai trocar de televisão, pagando dois mil reais por outra, somente porque a nova consome 60% menos energia. O processo de geração de necessidade é mais complexo do que isto.

Tomando a substituição de automóveis à gasolina por outros movidos a células de hidrogênio - método que permite maior aproveitamento de energia em níveis de poluição zero - seria necessário primeiro que a estrutura de poder montada sobre a economia do petróleo estivesse de acordo, o que não é verdade. Como se isso não fosse suficiente, o lobby das empresas de petróleo possui grande representatividade no cenário mundial, como pode ser observado pela ausência da assinatura nrte-americana no protocolo de Kioto. Mais ainda, sabe-se que os estadunidenses são responsáveis por nada menos de 45% do consumo do petróleo mundial e, mais ainda, sua geração de energia possui grande base termoelétrica e nuclear - ambas formas altamente poluentes. A substituição destas formas de produção não acontecerá em um curto período de tempo e seus efeitos continuarão a se sentir.

5) Conclusão:

A tese defendida nesta sexta-feira não pretende ser apocalíptica nem eu sou o Vostradeis. Mas pode ser sintetizada na seguinte idéia: ou nós revemos o que e como consumimos, ou não vai haver muita coisa para se consumir em algum tempo. O clima e o meio ambiente são fatores imponderáveis e há muito pouca coisa que se possa fazer com a tecnologia a tempo de reverter os danos que já causamos. Isso porque ela é cara, requer muito desenvolvimento ainda e, quando chegar, não vai ter para todo mundo. A solução mais prática é repensar os padrões de produção enquanto ainda dá tempo de fazê-lo sem crises.

Uma solução para isso passa pelo apartheid social, que eventualmente se instala pela conivência e acomodação de quem poderia fazer alguma coisa. A evolução de nossa democracia nos dividirá (como já o faz) em duas classes: a dos que consomem e a dos que não consomem. Ou como diziam os antigos:

O mundo se dividirá em duas categorias: a dos que não dormem e a dos que não comem. Os que não dormem com medo dos que não comem.

Me disseram que minha posição é romântica demais para isso e "seria bom se pudesse ser assim". Que as idéias de intervenção na sociedade através da educação para o consumo não encontrarão respaldo nos meios produtivos e que "não dá para ser assim". Já eu me pergunto: o que impede que seja assim?

The Lurker says: "A teoria é cinza, mas a realidade é verde."
Goethe (roughly translated)

maio 10, 2004

The Lurker rolling over (ou "When the world is running down/You make the best of what's still around" - The Police)

Count your blessings, é o que dizem. Cheguei ao balcão da companhia aérea para que uma moça, sorridente como se me conhecesse de outras circunstâncias, me disse que eles estavam com overbooking. Será que eu me importaria de ir no vôo seguinte, mais ou menos duas horas depois? Muda-se a passagem para classe executiva, se paga jantar em restaurante caro, táxi do aeroporto ao hotel em Fortaleza e outras firulas? Virei para minha acompanhante - que tal?

- Bem, eu só preciso estar de pé amanhã às 8h00 - foi a resposta.

Tanto melhor para mim - a apresentação quem tinha que fazer não era eu. Vamos de executiva após simpático jantar no The Albatroz. Esqueci apenas que precisava preparar ainda material para mandar de volta. Então, apesar de todo o conforto, a solução foi abrir o notebook e meter a mão no trabalho. Ainda bem que o vôo é de 2h30 mais ou menos e, justamente por isso, deu tempo de fazer tudo que se precisava fazer, jantar, e ainda assistir um episódio novo de Enterprise(cumprimentos do Kazaa).

A parte destes pequenos incidentes de percurso, foi das viagens mais chatas: aeroporto-hotel-aeroporto. E trabalhando até 22h00, no mínimo. Bolas. Não deu nem sequer para olhar o mar direito. E veja bem que eu conheço a cidade o suficiente para saber de um canto que vende um queijo de coalho bom para assar. Ainda bem que a memória da Praia do Forte ainda está fresca...

Unindo insulto à injúria, na volta um cearense nem tão simpático me informou do atraso do vôo que partia de Buenos Aires (sim, é isso mesmo)fazia escala em Fortaleza e ia para Brasília (antes fosse vôo da TAP)estava com atraso de duas horas... e não iam dar nem uma pipoca... bolas.

De volta, a entropia continua instalada, com notícias de baixas no corpo técnico do outro lado dos muros. Paciência. Pelo menos para mim as regras sempre foram claras (ou seja, obscuras) e ninguém disse que o jogo ia ser fácil mesmo. Entrementes, em homenagem às delirantes conhecidas e ciclotímicos de plantão (não Lilian, não tem nada a ver com você :-) segue a programação da WKTL Radio...

GOOD + BAD TIMES
INXS

You must have heard
Of all the rules
Thick and thin
Teaches you hard
And all the tricks
Come back on you
Leave them behind
There's a better way
A better way

All along you must have known
Where you life was leading
The good and bad times
Where your life was leading

And I know you've been through hell
Yes I know all about it
And I've seen your cool white face
But I can't seem to care about it
Care about it

The Lurker says: "When you're finally holding all the cards, why does everyone else decide to play chess?"

abril 30, 2004

The Lurker rolling down the drain (ou o cúmulo da entropia)

A coisa é assim: se piorar só mais um pouquinho, Satanás vai vir pedir direitos de franshising. Nunca vivi nada tão envolto em entropia como tem sido os últimos quatro dias. Resta-me tão somente agradecer à boa vontade do FdS que, não sem certo atraso, decide colocar sua face risonha, ainda um tanto obscurecida, para fora. Para os iniciados: TGIF.

De qualquer sorte, resta-me registrar a música que tem sido a tônica deste período...

FLOR DA PELE
Zeca Baleiro

Ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar
Ando tão à flor da pele que teu olhar pela janela me faz morrer
Ando tão à flor da pele que meu desejo se confunde com a vontade de ..não ser
Ando tão à flor da pele que a minha pele tem o fogo do juízo final

Um barco sem porto sem rumo, sem vela
Cavalo sem cela
Um bicho solto
Um cão sem dono
Um menino bandido
Às vezes me preservo outras suicido

Oh sim estou tão cansando
Mas não pra dizer
Que não acredito mais em você
... eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
... mas vou tomar aquele velho navio

um barco sem rumo, sem porto, sem vela
cavalo sem sela
um bicho solto, um cão sem dono, um menino bandido
às vezes me preservo noutras suicido

Oh sim estou tão cansando
Mas não pra dizer
Que não acredito mais em você
... eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
... mas vou tomar aquele velho navio

The Lurker Says: "Life is rather like a tin of sardines - where all of us looking for the key."
Alan Bennett



abril 19, 2004

The Lurker spinning (ou 2S2 2P6 - eletrovalência -2, nº atômico 55)

Admite-se que determinados fins de semana sejam mais sociais que outros, mas este foi de lascar o cano. Sábado foram dois almoços e um jantar. Sim – sai-se de um almoço para ir almoçar de novo... claro. E não se entende a fome na Somália depois. No domingo almoço e jantar fora. Aliás, o domingo parece ter sido dedicado à Universidade, porque a quase totalidade dos presentes tinha relação com a UnB e o jantar foi na casa do meu orientador.

Resultado: estou “embebido” em vinho até agora. É engraçado, por falta de palavra melhor, verificar a “evolução” da ressaca, que leva cada vez mais tempo para sair do meu pé. Para contrapesar comecei a “evoluir” a qualidade do ingerido mas nem isso está segurando mais a onda. Explica-se: aos 18 toma-se até “Old Eight” (oldeio-te como se diz em Salvador) e as garrafas de vermute seco se amontoavam no altar de Baco sem maiores conseqüências. Elementos líquidos impensáveis, como Keep Cooler e outras misturas mais exóticas também não criavam caso. Aos 25 o bom e velho Santa Helena começa a não amanhecer tão bem, não é a primeira tequila “carta blanca” que passa incólume, Steinheger e outros destilados servem somente se forem realmente bons.

Aos 30 nem o Chivas 18 anos está livrando mais a cara da manhã do dia seguinte e a maldita permanece fazendo companhia até o meio da tarde. Originalmente ia embora após um par de horas de amolação. Se continuar desse jeito, mais dia menos dia vai embolar uma na outra, colando os fins de semana. Ou, quem sabe, quem está certo é o Jaguar. In vino veritas, mas isso já está passando do limite.

Me lembro de uma vez que saí com um grupo de colegas do trabalho e fomos ao 2º Clichet, onde 18 doses de Xiboquinha foram sacrificadas pelo Franco e por mim. Ir trabalhar no outro dia foi um desafio, principalmente quando você acorda ainda estuporado. Engraçado foi encontrar a Maria "Mussarela" Lúcia que vira-se para mim, em tom choroso e diz:

- Eu briguei com você!
- E sobre o quê? - foi minha resposta... (nove Xiboquinhas na cabeça e você queria o quê? Coerência?)

Soube depois que a discussão foi sobre política e toda em inglês (barraco de gente fina é outra coisa).

The Lurker Says: “Eu odeio segunda-feira” (Garfield – by way of Jim Davis)

abril 14, 2004

The Lurker Marathon (ou Cadê o freio dessa coisa?)

Ok, então tá. Hoje foi o cúmulo da bagunça linguística. Ter por quatro horas, na mesma mesa, um argentino e um francês e ambos resolverem falar o inglês "lá deles" foi para pirar na batata. Tudo bem, todo mundo se entendeu no final, a "cordialidade" foi a tônica, mas eu perdi o rumo lá pelas tantas, pois falava ora português (portunhol, por escolha do interlocutor) com o primeiro, ora francês/inglês com o segundo. Nas despedidas, eu já não sabia o que estava falando. E não era o único.

Cabem esclarecimentos para as contingências. Nos últimos tempos têm aparecido umas atividades bem complexas para que realizemos. Estranhamente, todas parecem ser urgentes até o exato momento em que estão prontas, quando então passam a ser assessórias a outras correrias. "Plus ça change, plus c'est la mêmme chose" eu diria, pois isso parece ser doença ocupacional atualmente no governo. A mudança de rumo instantânea parece não conhecer qualquer princípio de inércia (quem dirá cinética e equilíbrio). Em uma reunião com o presidente de uma autarquia bastante representativa em um ministério, ouvi que "...o presidente [da República] está pautando a agência!". Ou seja, os executores tem menos acesso às informações técnicas do que o alto escalão. Sem comentários - tire suas conclusões.

Então, em homenagem as reuniões da semana e aquelas, mais densas e pesadas, que me esperam até sexta-feira, The Lurker Radio inclui em sua seleção:

HAVE YOU EVER SEEN THE RAIN
Spin Doctors
J.C. Fogerty

Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know
It's been coming for some time
When it's over so they say
It'll rain on a sunny day
I know
Shining down like water

I wanna know
Have you ever seen the rain?
I wanna know
Have you ever seen the rain?

Coming down on a sunny day
Yesterday and days before
Sun is cold and rain is hard
I know
It's been that way for all my time
Till forever on it goes
Through the circle fast and slow
I know
And it can't stop I wonder

I wanna know
Have you ever seen the rain?
I wanna know
Have you ever seen the rain?

The Lurker says: "Do, or do not. There is no 'try'."
Master Yoda (The Empire Strikes Back)

abril 11, 2004

The Lurker de volta a Delfos (ou Credo in uno Deum, pater onipotens)

Considerando o novo visual, achei que valia a pena um "re-post" de apresentação. Vamos lá.

Maio 25, 2003

The Lurker and The Lurker (ou Tecum Nosce)

Sou um otimista por natureza. Acho que tudo vai dar certo e acredito, erradamente, que coisas ruins não acontecem às boas pessoas. Creio no trabalho e na dedicação como forma de ascensão social. Fujo de gente preguiçosa, mas reconheço a necessidade do ócio (criativo ou não). Acredito que o caminho mais interessante normalmente é o mais difícil. Sou áries com ascendente em capricórnio, o que dá os dois cabeçudos do zodíaco num cara só. Nem sempre sou fácil de lidar e reconheço isso. Peco mais pelo excesso do que pela falta. Às vezes me arrependo. Outras não.

Morro de medo de dar com a cara na parede. Nem por isso deixo de correr riscos o tempo todo. Já caí do cavalo, mas monto de volta tantas vezes quantas for necessário. Já fiz escolhas profissionais erradas. Costumo morder mais do que posso mastigar, mas não aprendo apesar de tudo.

Sou amigo de meus amigos. Eles sabem quem são e o que isso significa. Sou verdadeiro, leal, franco e sincero. Digo na cara se achar que é necessário, mesmo que doa. Me mordo se não falar e descobrir que fazia diferença. Vou direto ao ponto, detesto filigranas e rodeios sociais.

Já fui guia turístico, gerente de restaurante, consultor e professor de informática (em domicílio). Hoje tenho uma equipe de avaliação para coordenar e nunca me diverti tanto no trabalho. Estudei música, economia, e psicologia. Fiz graduação, mestrado, iniciei e espero concluir o doutorado. Tenho grande facilidade para falar outras línguas e isso já me abriu várias portas.

Dizem que tenho um senso de humor mordaz e ácido. Gosto quando consigo ser engraçado ou divertido. Perco a piada para manter o amigo. Falo alto quando discuto política ou religião e tenho posições bastante pessoais sobre estes assuntos. Detesto mediocridade e grosseria.

Tenho uma cicatriz entre os olhos, presente de meu eu criança que jogava futebol com lata de refrigerante feita de folha de Flandres.

Gosto de queijo forte, carne vermelha, vinho denso, tabaco de cachimbo e martini seco feito com Wodka Absolut. Não fumo cigarros e detesto o cheiro. Bebo socialmente e a idade tem me tornado muito social. Nunca bebo até cair, sei quando parar e não sou inconveniente. Odeio ressaca e ela me odeia.

Sou amante de muitos vícios, mas o único que cultivo é a vida. Tenho pouco respeito por gente que depende de química. Não tenho qualquer respeito por quem é incapaz de controlar suas vontades. Não suporto gente fútil e rebeldes sem causa.

Já rodei um pouco pelo mundo, não tanto quanto gostaria. Estive em todos os estados do Brasil exceto quatro na região norte. Conheci meia Europa, o que deixa ainda metade para visitar.Sou louco pela França e espero voltar lá muitas vezes. Não faço a menor questão de voltar à América, a não ser que seja para Nova Iorque e com a companhia certa. Acho o americano uma besta quadrada, mas já me provaram que podem ser boa gente. Talvez um dia vá a São Francisco. Adoro Santiago de Compostela. Detesto Salt Lake City.

Tenho tendinite no braço direito, presente de meu eu adolescente e de horas de jogo no computador. Fiz um acordo com ela: trato-a com respeito e ela finge que não está lá.

Gosto de frio e de neve, coisas complicadas em um país tropical. Gosto de mergulho, esgrima e tiro. Sou péssimo em esportes coletivos. Já soube dançar um dia. Adoro Victor Hugo, Júlio Verne e Alexandre Dumas. Desprezo Paulo Coelho e Lair Ribeiro. Gosto de Astor Piazzola, Mozart, Ella Fitzgerald, Tom Jobim e U2. Meu musical favorito é Les Miserábles e sei que, agora, só poderei assistir de novo em Londres. Acho que música techno é a maior perda de tempo e que o funk não vai conseguir piorar mais. Sei que estou errado quanto ao funk.

Gosto de chegar em casa. Adoro estar solto no mundo e não ter que voltar para casa. Um dia ainda vou construir uma ecologicamente correta, com cachorros, uma torre e um jardim grande com plátanos.

Acho que dinheiro é para gastar, mas economizo como um esquilo que recolhe nozes para o inverno. Acho que o poder deve ser usado em favor das pessoas. Detesto futrica, intriga e fofoca. Adoro entrevistar gente para emprego e sofro horrores quando tenho que demitir alguém. Meus olhos brilham quando vejo gente corajosa.

Me realizo falando em público. Detesto quando acho que estou fazendo as pessoas perderem tempo ou não estou dizendo algo que faça diferença. Preparo minhas aulas, mas sempre acabo improvisando alguma coisa.

Sei que não devo durar muito além dos 65, mas gostaria de viver para sempre. Corro contra o tempo para fazer desta a melhor vida que terei. Não acredito em aposentadoria, a não ser que seja a partir dos 40.

Acho que, apesar de tudo, o mundo tem jeito e quero dar meu pitaco.


The Lurker says: "Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses" dizeres do pórtico do templo de Apolo em Delfos.

abril 10, 2004

The Lurker “professor emeritus” (ou assim caminha a universidade)

Como vocês sabem (ou talvez não) até recentemente eu era professor ativo em uma grande universidade particular. Ativo antes, licenciado para o doutorado agora.

Em novembro do ano passado eu estava dando minha aula, cuidando de minha vida, quando entre Deming, Juran e o TQC uma aluna de outra turma, abrindo a porta, pediu-me licença para dar um aviso a seus colegas e que o dito “me interessaria” – segundo disse:

Escolhemos os professores homenageados para a formatura... e você é um deles.

Bem, ainda bem que eu estava sentado. De onde eles tiram essas idéias? Professores homenageados, de onde eu venho, são pessoas que contribuem para a evolução de seus campos de saber, com projeção nacional e anos de prática. Não um com pouco mais de quatro anos de cátedra, e isso mesmo se somadas as experiências em diversos campos diferentes... Não me via, de maneira nenhuma, adequado ao título.

Mas a coisa foi a sério e não imaginava que fosse ser tão sofisticada no fim das contas. Pensei que a cerimônia (que foi no final do mês passado, para quem ficou curioso) fosse ser simples. Ledo engano. Toda turma devidamente becada, com direito a becas cheias de frufrus para os professores e o representante do reitor. O paraninfo foi um ex-senador da república que desistiu de seu mandato por conta de uma lista e elegeu-se deputado. Fiquei um tanto preocupado – afinal, havia uma lista de formandos e velhos hábitos demoram a morrer.

Pessoalmente, sempre achei que formaturas, como casamentos e funerais, são coisas que o vivente só deveria ser obrigado a ir em sua própria. Esta, não sendo uma exceção, foi interessante na medida em que pude experienciar a coisa acontecer pelo ângulo da mesa. Nosso deputado listeiro, comparativamente com as diversas oportunidades que tive de ouvi-lo, foi feliz, rápido e direto ao ponto. Seu equívoco foi ter citado Domenico de Masi, o italiano insano. O cara que disse que a humanidade trabalhará cada vez menos e que o “ócio criativo” é uma necessidade humana não pode ser levado a sério por qualquer pessoa que trabalhe 50 a 55 horas por semana. Se existe ócio por aí, alguém está aproveitando a minha parte!

O acontecimento realmente emocionante, para mim, foi a questão que alguns estudantes fizeram de apresentar-me à suas famílias. Em especial, alguns pais que eram bastante efusivos em seus cumprimentos. O que será que esses meninos andam falando em casa?

Finalmente, a parte jocosa do evento foi dizer, na chegada, encontrando dois ou três alunos que passaram em minha disciplina “tirando tinta”:

Mas, peraí: eu APROVEI você?!

As expressões foram, digamos, divertidas: eles sabem... e, espero, o mercado seja capaz de saber também.

The Lurker says: Do not hire a man who does your work for money, but him who does it for love of it.
Henry David Thoreau

abril 02, 2004

The Lurker Warp Zone (ou a viagem de Gulliver às avessas)

Depois de uma semana que começa com noites na baixada fluminense você esperaria que do meio para o fim a coisa serenasse não é? Nope... E na medida que a dita se escorre e os dias são deixados para trás como marcas no calendário do ano passado, a inevitável pergunta: "Tá, e daí?". Depois de ver o pessoal sobrevivendo de teimoso voltar para a fogueira das vaidades é um choque que não há quem aguente.

Assim, em homenagem àqueles que, como eu, sofreram as agruras da pequenez humana derivadas dos poderosos e viram a honradez e a coragem nos olhos dos despossuídos, segue um interlúdio musical para encerrar a semana. E que Deus tenha piedade de sua alma.


SOLDADOS
Renato Russo
Renato Russo/Marcelo Bonfá

Nossas meninas estão longe daqui
Não temos com quem chorar e nem pra onde ir
Se lembra quando era isso brincadeira
Fingir ser soldado a tarde inteira?

Mas agora a coragem que temos no coração
Parece medo da morte mas não era então
Tenho medo de lhe dizer o que eu quero tanto
Tenho medo e eu sei porque:
Estamos esperando.

Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Porque lutar.

Nossas meninas estão longe daqui
E de repente eu vi você cair
Não sei armar o que eu senti
Não sei dizer que vi você ali.

Quem vai saber o que você sentiu?
Quem vai saber o que você pensou?
Quem vai dizer agora o que eu não fiz?
Como explicar pra você o que eu quis

Somos soldados
Pedindo esmola
E a gente não queria lutar.

The Lurker says: Despair is perfectly compatible with a good dinner, I promise you. William M. Thackeray

março 22, 2004

The Lurker e o Governo (ou Rousseau estava certo)

É preciso saber admitir quando se comete um erro. No meu caso este erro, que pode até mesmo ter sido bem-intencionado, veio causado em parte por uma perspectiva a de mudança e por uma percepção e de que os ciclos e a alternância de poderes, como os ciclos, são conseqüências naturais que acontecem até mesmo porque são necessárias.

Esta visão é mesmo um pouco romântica, pois que no Brasil tal crença não se fundamenta necessariamente na razão ou na experiência. Explico: até recentemente era possível acreditar genuinamente que um partido poderia ser efetivamente representado pelas idéias de pessoas que se propunham a encabeçá-lo. Este ponto de vista ingênuo implica acreditar que os ideais de determinados líderes serão compartilhados da integridade imaginados por seus seguidores. Isso não é verdade.

A idéia de que o governo dos trabalhadores tomaria maiores cuidados, que se comportaria com maior preocupação com os trabalhadores que representam estava errada. Assim como eu, descobriram isto ao mesmo tempo os funcionários públicos federais, estaduais, o pessoal do bingo, os portuários, os aposentados...

O pessoal de carreira federal ajudou a eleger um governo e agora se encontra alijado do mesmo, substituído por pessoas que necessariamente não dispõe do preparo para a condução das atividades que lhe eram originalmente imputadas. E, como dantes, a superlotação nos gabinetes se faz sentir: a impressão é de que até agora necessário recompensar a todos aqueles que de alguma maneira comungaram dos ideais do partido, não interessa ao onde colocá-los. Em alguns casos este procedimento resulta em contribuições interessantes por parte dos envolvidos (mais estes são raros). Na maior parte das ocorrências e dos relatos que me chegam, o que se vê é a continuação do processo destrutivo de governo iniciada por Collor.

Cabe aqui mais uma explicação: Dom Fernando I (Collor) como o chamo, iniciou processo de destruição do serviço público nacional através de uma campanha falaciosa e insidiosa que levou o povo a acreditar no inchaço da máquina do estado. É preciso ressaltar o que o Brasil tinha então o mesmo número de funcionários públicos na França, mas contava com uma população de aproximadamente três vezes o tamanho da daquele país. Não há que se dizer que o sistema era perfeito ou não possuía o defeito isso seria absurdamente ingênuo. Entretanto a assim chamada reforma do aparelho do estado apenas contribuiu para que aquelas pessoas com maior preparo e melhor entendimento do governo e o deixassem. Isso se deu pois estas eram as pessoas mais preparadas para assumir posições fora do governo.

Por seu turno, Dom Fernando II (FHC), montou novo aparato governamental, desta vez fundamentado em acordos internacionais e organismos multilaterais. Essa estrutura permitiu que pessoas de alta especialização viessem a compor o quadro do governo em tempo rápido e permitiu a igualmente que uma estrutura eficiente e barata de governo se instalasse. Eficiente porque era flexível e permitia a substituição de a troca de funcionários e com baixa produtividade e barata porque não implicava o pagamento da carga de impostos, aposentadorias, benefícios, etc. que o próprio governo se impôs.

Eis que agora chega à terceira onda o governo dos trabalhadores. Em função de uma legalidade forçada e de entraves que eles mesmos criaram, impõem agora à sociedade a perda de oito anos de conhecimento acumulado, criando um concurso para funcionários temporários nos quais os já existentes, aqueles que já dominam as atividades relativas aos processos do próprio governo, serão colocados em igual condição com pessoas que jamais realizaram as atividades e que, portanto, não dispõe desse conhecimento acumulado. Hora, parece evidente que tudo o que foi desenvolvido e aprendido por essas pessoas será perdido para a população e, com sorte, colocado à disposição do mercado. Neste meio tempo, não são realizados concursos “de verdade” para provimento definitivo das vagas tendo em vista que serão contratados funcionários temporários, nem tampouco se permite a efetivação destes. Perde-se duas vezes.

Sou culpado de minha ingenuidade. Acreditei que um governo dos trabalhadores seria capaz de enxergar essa realidade de maneira menos tacanha e mesquinha. Acreditei que um governo gerido por pessoas que sempre se opuseram à política do “é dando que se recebe”, do loteamento de cargos e da venda do Estado, não transigiria com a continuação do desmonte. Eu estava errado, bem como muitos de meus amigos, e agora o país pagará por isso. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas com certeza. E passarão muitos anos até que os equívocos de hoje possam ser revertidos.

The Lurker Says: Nam ego in ista sum sententia, qua te fuisse semper scio, nihil ut feurit in suffragiis voce melius. - Cicero (Marcus Tullius Cicero), De Legibus (III, 15)

Hmm... melhor, para a atual legislatura: You won the elections, but I won the count. - Anastasio Somoza

março 17, 2004

The Lurker e o post roubado por igualdade no sentimento.

King of Pain
The Police
Synchronicity (1983)

There's a little black spot on the sun today
It's the same old thing as yesterday
There's a black hat caught in a high tree top
There's a flag-pole rag and the wind won't stop

I have stood here before inside the pouring rain
With the world turning circles running 'round my brain
I guess I'm always hoping that you'll end this reign
But it's my destiny to be the king of pain

There's a little black spot on the sun today
That's my soul up there
It's the same old thing as yesterday
That's my soul up there
There's a black hat caught in a high tree top
That's my soul up there
There's a flag-pole rag and the wind won't stop
That's my soul up there

I have stood here before inside the pouring rain
With the world turning circles running 'round my brain
I guess I'm always hoping that you'll end this reign
But it's my destiny to be the king of pain

There's a fossil that's trapped in a high cliff wall
That's my soul up there
There's a dead salmon frozen in a waterfall
That's my soul up there
There's a blue whale beached by a springtime's ebb
That's my soul up there
There's a butterfly trapped in a spider's web
That's my soul up there

I have stood here before inside the pouring rain
With the world turning circles running 'round my brain
I guess I'm always hoping that you'll end this reign
But it's my destiny to be the king of pain

There's a king on a throne with his eyes torn out
There's a blind man looking for a shadow of doubt
There's a rich man sleeping on a golden bed
There's a skeleton choking on a crust of bread
There's a red fox torn by a huntsman's pack
That's my soul up there
There's a black-winged gull with a broken back
That's my soul up there

There's a little black spot on the sun today
It's the same old thing as yesterday
I have stood here before inside the pouring rain
With the world turning circles running 'round my brain
I guess I always thought you could end this reign
But it's my destiny to be the king of pain
King of pain
King of pain
King of pain
I'll always be king of pain


The Lurker Says: For death is no more than a turning of us over from time to eternity. (William Penn) *1644 +1718

(You´d rather be right, Mr. Penn... you´d better be right...)

março 12, 2004

The Lurker: Assim caminha a humanidade.

Eram 18h45. Faltavam quinze minutos para ele terminar a jornada de 12 horas no aeroporto . Antes de sair, mais uma verificada nos banheiros, sua missão diária. Precisava ver se tudo estava em ordem. Na verdade, a maior preocupação dele, naquele dia, era arrumar dinheiro para pagar a conta atrasada de luz. Nunca R$ 28 lhe custaram tanto. Nunca alguma coisa lhe tirou tanto o sono. Nunca nada o atormentara de tal forma.

Francisco Basílio Cavalcante — de 55 anos, cearense de Sobral, 1,62m, auxiliar de serviços gerais da empresa Masp, terceira série primária, católico praticante, casado, cinco filhos, quatro netos, morador do Céu Azul (GO), 26 anos no mesmo emprego sem ter faltado até hoje a um dia de trabalho, salário bruto de R$ 370 — é homem de honrar compromissos.

Nunca havia deixado uma só dívida acumular. Tanto é que, há três meses, comprou um sofá nas Casas Bahia e parcelou a compra em 15 longas prestações de R$ 77. Nunca atrasou um pagamento. Só a conta de luz o transtornava.

Na última inspeção pelos banheiros do aeroporto, no plantão da quarta-feira, Francisco se deparou em uma das cabines com uma bolsa de couro, em cima da papeleira. Achou aquilo estranho. Quem teria deixado lá? Assustado, resolveu abri-la. E tomou o maior susto de sua vida. Dentro da bolsa, enrolado num pacote, além de passaportes e documentos pessoais, havia uma quantia em dinheiro que seus olhos jamais viram. Nem tanto nem naquela moeda.

O faxineiro estava diante de US$ 10 mil. Ou, se preferir, R$ 30 mil. Dinheiro que, se fosse juntar do salário, sem gastar um só centavo, levaria sete anos. O cearense tremeu. Suou. Ficou pálido. Uma vida inteira passou diante dele dentro daquele banheiro.

O que fazer? Ficar com a dinheirama toda ou devolver? Se ficasse, ninguém jamais saberia. Não há câmaras dentro dos banheiros. Seria perfeito. Poderia sair dali com a vida modificada. Mas a dúvida, mesmo com a maldita conta de luz atrasada, não interferiu na sua decisão.

Francisco chamou o chefe imediato, que atende pelo nome de Valdomiro. Não, não é o Waldomiro Diniz, aquele que estremeceu o Planalto. O chefe de Francisco se chama Valdomiro Magalhães dos Santos.

De quem seria aquela bolsa? Foi um corre-corre no aeroporto. De posse do passaporte do passageiro, avisaram pelo alto-falante. Nada. O supervisor Arenor Amorim, da empresa Omni, que cuida da segurança, encarregou-se pessoalmente de achar o dono da bolsa. Varreu o lugar.

E achou. Os US$ 10 mil pertenciam ao turista suíço René Dam, que viajava em companhia da mulher. Em Brasília, faria apenas uma conexão. O casal seguia para Manaus. De tão atordoado pela perda da bolsa, o turista não ouviu que era chamado pelo sistema de som.

Orientado pelo supervisor que o encontrou, o suíço conferiu tudo. Contou as notas de US$ 100. Haja nota! E lá estavam, intactos, os US$ 10 mil, junto com os documentos. O dinheiro, devidamente declarado ao chegar ao Brasil, voltou ao dono.

Prestações em dia

O turno de 12 horas de Francisco acabara. Era hora de mudar de roupa, tirar o macacão vermelho, guardar o crachá e voltar para casa, no Céu Azul. O turista quis conhecer o homem que havia achado seus dólares. Quis lhe oferecer uma recompensa. O faxineiro não estava mais no aeroporto.

Enquanto o suíço o procurava, Francisco se dirigia à parada. No sacolejo do ônibus, além do cansaço físico, o atraso na conta de luz ainda o inquietava. Ainda bem que as prestações do sofá das Casas Bahia estavam em dia.

No início da tarde de ontem, de folga , Francisco recebeu a reportagem do Correio em sua casa. De uma humildade comovente, ele arrumava um vazamento de um cano. De chinelo e camisa branca manchada de graxa, ele explicou por que devolveu a bolsa e os US$ 10 mil do turista suíço: ‘‘Tem que ser assim, moço. O que não é nosso precisa ser devolvido’’.

Na casa de três quartos e cerâmica brilhosa, comprada com o sacrifício de 26 anos de trabalho como faxineiro do aeroporto, a vida dele e da mulher, a também cearense Raimunda Nonata Cavalcante, de 53 anos, é a prova da honestidade. E da delicadeza de uma família pobre. Ofereceu café quentinho e água de pote no copo de alumínio.

‘‘A gente já passou muita precisão, mas é honesto’’, conta ela. E comenta sobre o dinheiro que o marido achou no banheiro do aeroporto: ‘‘Se o Francisco chegasse aqui com esse dinheiro, a gente ia devolver. Um dinheiro que não é da gente não pode ser do bem. Não pode trazer felicidade’’.

Saudades do Ceará

Há sete anos, os cinco filhos de Francisco se reuniram. Decidiram que o pai estava andando a pé demais. Cansava-se demais. Cotizaram-se e compraram uma bicicleta Caloi antiga, de segunda mão. ‘‘Foi o melhor presente da minha vida’’, confessa ele.

É com essa velha bicicleta — seu único meio de locomoção, além do ônibus — que Francisco anda pela esburacada Céu Azul. Na garupa, carrega a mulher Raimunda Nonata, com quem está casado há 33 anos. ‘‘A gente passeia e vai à feira’’, revela Raimunda.

Nos planos mais imediatos de Francisco, além de pagar a conta de luz atrasada, está a aposentadoria. ‘‘Daqui a cinco anos eu aposento’’, contabiliza. E revela um sonho: ‘‘Tenho muita saudade do Ceará. Queria ir ao Juazeiro agradecer ao Padim Ciço tudo que consegui aqui’’.

Trabalhando há 26 anos no aeroporto, o faxineiro só andou de avião uma vez, em 1989. Mesmo assim porque ganhou a passagem da Aeronáutica. Foi até Petrolina, em Pernambuco. ‘‘Me senti a pessoa mais importante do mundo. Achei lindo ver as nuvens’’, emociona-se.

Sentado na velha bicicleta — colocou até roupa nova para a fotografia — Francisco responde à pergunta que todos gostariam de fazer:
— O senhor sente orgulho por ter devolvido o dinheiro?

Ele diz, com sua habitual simplicidade:
— O que eu fiz, moço, era o que todo mundo devia fazer. Se cada um agisse assim, o Brasil seria melhor.

E encerra:
— Não tem coisa melhor na vida do que chegar em casa e dormir sem peso na consciência, sem ter prejudicado ninguém. É só isso que quero pra mim e pra minha família.

Não precisa perguntar mais nada.

Publicado no Correio Braziliense em 12/03/2004

The Lurker Says: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." Ruy Barbosa.